Com gemidos agoureiros,
Num pavoroso lamento,
Lá fora perpassa o vento
Chicoteando os pinheiros.
E a noite, caliginosa,
De uma tristeza suprema,
É como a boca monstruosa
Da monstruosa caverna.
Chove. O arvoredo farfalha
Soturno o trovão ribomba
Como longínqua metralha;
Depois o silêncio tomba.
Pávido e trêmulo, escuto,
Mergulho a vista lá fora
E vejo a terra de luto,
E oiço uma voz que apavora.
Como um vago murmúrio,
Mansa a princípio ela ecoa,
Depois de um grito bravio
Que pela noite reboa,
Que para a noite se eleva
Num pavoroso transporte,
Como soluço de treva,
Como um frêmito de morte.
Essa voz cheia de ameaças,
De imprecações e rugido,
É o clamor das populaças,
É a voz dos desprotegidos.
Medonha, relutante e rouca,
Vem d’esse mundo sombrio
Dos que tiritam de frio
E não tem pão para boca.
Vem das lôbregas choupanas
Onde em tarimbas sem nome
Há criaturas humanas
Agonizando com fome.
Vem da cloaca deletéria,
Em que a “Justiça” comprime
Esses que a mão da miséria
Pôs no caminho do crime.
Doa quartel – açougue enorme
Onde à espera da batalha,
Morta de fadiga, dorme
A carne para metralha.
Dos hospitais, dos hospícios,
Das tascas onde ressona
A grei de todos os vícios
Que a miséria proporciona.
Ah! Nesse grito funesto,
Nesse rugido, palpita
Um rancoroso protesto.
É o povo, a plebe maldita
Que, sombria, ameaçadora,
Nas vascas do sofrimento,
Mistura aos uivos do vento
A grande voz vingadora.
Tremei, vampiros nojentos!
Tremei, nos vossos dourados
Palacetes opulentos!
O sangue dos desgraçados
Sugai, bebei gota-a-gota.
Não tarda que chegue o instante
Em que a turba se levante,
Sedenta, faminta e rota.
E quando comece a luta,
Quando explodir a tormenta,
A sociedade corrupta,
Execrável e violenta,
Iníqua, vil, criminosa,
Há de cair aos pedaços,
Há de voar em estilhaços
Numa ruína espantosa.
Ricardo Gonçalves
Publicado no primeiro número do jornal A Plebe em 9 de junho de 1917
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