À mulher operária



Definhas, carne em dor, nessa estufa doentia
Onde impera o trabalho e reina a trama
Onde a fome, roaz, brama de sol a sol.
Brotaste na miséria e estás predestinada
A sofrer, trabalhar e morrer estiolada,
Sem que brilhe em teu seio a luz de um arrebol.

                               Neste inferno que foste atirada -a Oficina-
                               A burguesia vil, corruptora, assassina,
                               Com sólidos grilhões te enleou e te prendeu.
                               E o infando Capital o teu suor devora,
                               Como a águia da Legenda espedaçava outrora
                               A rija carnação do bravo Prometeu.

Para o mundo atual, tu és, unicamente,
A fonte do dinheiro, a máquina inconsciente,
O ventre fértil que produz, a preço vil,
A carne do prazer para os Dons Juans da terra
A carne do canhão para dar pasto à guerra
E a carne que o industrial devora em seu covil !

                               Ó mulher infeliz, luta, trabalha, morre !
                               Mas o sangue, o suor da fronte te escorre
                               Vai formando esse mar de fúria e indignação
                               Que há-de, enfim, subverter o negro Despotismo
                               E de onde há-de emergir, após o cataclismo,
                               Um mundo mais humano e sem falta do pão !


Raimundo Reis


(Publicado originalmente no jornal Terra Livre em Abril de 1910, sofrendo ligeiras modificações e sendo publicada outra vez no jornal A Plebe em 19/04/33.)

Foto: Operária em um Torno mecânico numa fábrica no Texas em 1940 http://pt.wikipedia.org/wiki/Proletariado

Antítese

Donde vens, senhor assim desfigurado?
Trazes n'alma o amargor de um remorso rebel
Quem és tu? Donde vens, ó jovem desgraçado?
-Eu sou milionário e venho do bordel !

                             Meu pai, rude burguês, juntou o capital,
                             regando os cafezais com o sangue dos escravos;
                             Eu, rico bacharel, em taças de cristal,
                             Bebo caro champanhe, entes vivas e bravos!

-E tu homem de ferro, altivo, musculoso,
Que alegria tão sã tua fronte ilumina?
Quem és tu? Donde vens ó homem vigoroso?
-Eu sou operário, e venho da oficina!

                             Meu pai, de sol a sol, na forja se abrasava
                             Era forte e viril, forte como um leão.
                             Tinha um sorriso bom e o ferro laminava.
                             Quando a morte o feriu, no grande coração.


Benjamim mota

(Poema de Benjamim Mota dedicado a Estevam Estrella, datado de 01/05/1898)

fonte da imagem: http://www.victorianweb.org/history/work/blacksmith.html

Cárceres


Cárcere, cadeia, prisão. 
É das sociedades
Fundadas em desigualdades
Mas uma horrenda criação

Se fundamenta na hipocrisia...
De quem diz combater
De quem nos diz proteger
De males que são sua cria!

Legisladores, juízes, policiais
Aparato a serviço dos barões
E os pobres cada vez mais
A lotar as celas das prisões

Sobre os verdadeiros ladrões
É preciso fazer a crítica
Para vê-los nos ricos patrões
Para vê-los na política 


Luiz Aurélio

A todo anarquista


A todo aquele que anda sobre a terra
A todo aquele que trava sua guerra
A quem não reconhece muros nem prisões
A quem não respeita correntes nem grilhões
Aos que não esperam que o tempo lhes dê razão
Aos que ousam derrubar a moral e a tradição
A todo aquele que abraça a deliqüência
A todo aquele que vive a inconseqüência

A todo anarquista

A todo aquele sem pátria nem bandeira
A todo aquele sem hino nem fronteira
Aos que se arriscam a peitar autoridade
Aos que se arriscam a dançar com a liberdade
Aos que não esperam que o tempo lhes dê razão
Aos que ousam derrubar a moral e a tradição
A todo aquele que abraça a deliqüência
A todo aquele que vive a inconseqüência

A todo anarquista




Letra e música: Flicts
http://www.youtube.com/watch?v=DZnNHfVn1BE

Salário


Ó que lance extraordinário:
aumentou o meu salário
e o custo de vida, vário,
muito acima do ordinário,
por milagre monetário
deu um salto planetário.

Não entendo o noticiário.
Sou um simples operário,
escravo de ponto e horário,
sou caxias voluntário
de rendimento precário,
nível de vida sumário,
para não dizer primário,
e cerzido vestuário.
Não sou nada perdulário,
muito menos salafrário,
é limpo meu prontuário,
jamais avancei no Erário,
não festejo aniversário
e em meu sufoco diário
de emudecido canário,
navegante solitário,
sob o peso tributário,
me falta vocabulário
para um triste comentário.
Mas que lance extraordinário:
com o aumento de salário,
aumentou o meu calvário!


Carlos Drummond de Andrade