Morte, quer ser minha amiga?

Morte, espada cruel do destino
Guardiã do sagrado templo
Sobre vida e morte raciocino
Porque ainda tenho tempo

Oh morte que nunca pedes licença

Tu que conheces bem os mortais
Seus lamentos e arrependimentos finais
Assustudados, fugindo da sua poderoza presença
Implorando uma segunda chance para concertarem seus erros
Mas é tarde, foi chegada a hora de cumprir a sentença
Tudo que nasce está condenado a morrer, eis os termos

Não tenho conciência do que realmente sou
Mas me encontro aqui, vivendo como um mortal
Para cá eu vim, aqui vivo e daqui me vou
A vida é  pequena mas também colossal

Morte, morte, por vezes você quase me levou
Mas por algum motivo ainda aqui estou
Queria que você fosse minha amiga


Tu que conheces tão bem os mortais
Seus lamentos e arrependimentos finais

Com certeza sabes muito sobre a vida
Peço que sejas minha conselheira
Eu que sou o que sou e não o que queriam que eu fosse
Quando me atingires com tua foice
Quero que boa seja a colheita

Se possível partir com um sorriso no rosto
Sem carregar arrependimento ou desgosto
Sem medo ou lamúrias, não quero lhe fazer desfeita
Nessa hora quero te dar um forte abraço
E orgulhoso te contar minha história
Cantar meus feitos e fracassos
Lendas de minha tragetória
E na terra ter deixado contribuição satisfatória

São essas ambições que traço
Eu, um insignificante grão na imensidão do tempo e do espaço

.
Luiz Aurélio

Dificuldades

Se os obstáculos parecem muito grandes
e o fracasso parece certo
É preciso esquecer as aparências
e olhar mais adiante
Pois se sozinhos somos como insetos
Unidos somos um gigante
Que não há o que possa deter
Mesmo todo o aparato do poder
Fica ridículo, pequenino
O povo só continua a sofrer
Porque não tem consciência disso.

Luiz Aurélio

Aos que virão depois de nós

I

Eu vivo em tempos sombrios.
Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez,
Uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ainda ri é porque ainda não recebeu a terrível notícia.

Que tempos são esses,
Quando falar sobre flores é quase um crime.
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?
Aquele que cruza tranquilamente a rua
Já está então inacessível aos amigos
Que se encontram necessitados?

É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso. Nada do que eu faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado.
(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)

Dizem-me: come e bebe!
Fica feliz por teres o que tens!
Mas como é que posso comer e beber,
Se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?
Se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede?
Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.

Eu queria ser um sábio.
Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:
Manter-se afastado dos problemas do mundo
E sem medo passar o tempo que se tem para viver na terra;
Seguir seu caminho sem violência,
Pagar o mal com o bem,
Não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.
Sabedoria é isso!
Mas eu não consigo agir assim.
É verdade, eu vivo em tempos sombrios!


II

Eu vim para a cidade no tempo da desordem,
Quando a fome reinava.
Eu vim para o convívio dos homens no tempo da revolta
E me revoltei ao lado deles.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado viver sobre a terra.
Eu comi o meu pão no meio das batalhas,
Deitei-me entre os assassinos para dormir,
Fiz amor sem muita atenção
E não tive paciência com a natureza.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado viver sobre a terra.


III

Vocês, que vão emergir das ondas
Em que nós perecemos, pensem,
Quando falarem das nossas fraquezas,
Nos tempos sombrios
De que vocês tiveram a sorte de escapar.

Nós existíamos através da luta de classes,
Mudando mais seguidamente de países que de sapatos, desesperados!
Quando só havia injustiça e não havia revolta.

Nós sabemos:
O ódio contra a baixeza
Também endurece os rostos!
A cólera contra a injustiça
Faz a voz ficar rouca!
Infelizmente, nós,
Que queríamos preparar o caminho para a amizade,
Não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.
Mas vocês, quando chegar o tempo
Em que o homem seja amigo do homem,
Pensem em nós
Com um pouco de compreensão.


Bertolt Brecht

A Paz

Não mais nossos ouvidos da metralha
Ouçam a voz, os ecos pavorosos;
Cesse p'ra sempre o ruído da batalha
O fragor dos combates sanguinosos.

Não mais da guerra a lúgubre mortalha
Traga no bojo crimes horrorosos;
Armas deponha a gente que trabalha,
Por ódios dividida, venenosos.

Volte de novo aos teares, à charrua,
Às sementeiras, prélio já esquecido,
A hoste da fome, esfarrapada e nua.

Potente, um grito então vibre na terra,
Da nova gente popular nascido:
Paz entre nós! Guerra aos senhores, Guerra!


Daniel de Montalvão
Publicado em Voz do Povo, diário anarquista - Rio de Janeiro 01/05/1920

Imagem: Protesto anarquista em Lisboa - Portugual, 2016




Libertaria



Venid e pisad, oh viajeros,
la nave rebelde
que no iza bandera en sus mástiles,
que flota sin ley e sin Dios.

Las velas tendidas al viento,
recoge sus anclas;
no tiene piloto ni brújula
no lleva ni quiere timón.

Navega feliz o perezca,
se arroja por sirtes y vórtices,
sin luna, lucero ni Sol.

Con pecho gozoso y altivo,
yo escalo la nave...
¡Oh mar de los libres! ¡Acógeme!
¡Oh tierra de esclavos! ¡Adiós!


Manuel Gonzáles Prada
Lima, 1908


Décimas a António Gonçalves Correia

Ele levava a Liberdade
A todo o lugar que ia.
A toda a gente que via
Dizia em sinceridade
Da sua ideia, a bondade.
Em qualquer lado que estava
Esse sonho que levava,
Nascido do coração
Quase como uma oração,
A todos ele o contava.

O Gonçalves Correia andou
De caixeiro-viajante
Quem o viu até garante
Que alguma coisa ficou.
Que se ele tanto adubou
O seu sonho vai crescer
E vai outra vez viver
Logo que chegue seu tempo,
É só esperar o momento,
Da semente florescer.

Incansável lutador
No seu Alentejo viveu
Com todos ele conviveu
Levantando seu clamor
Sempre c’ um mesmo fervor
A todos os trabalhadores
Falava dos seus amores
Liberdade, Revolução
Paz com comunhão
De iguais, sem mandadores.

Nem passarinhos, queria presos
Abria gaiolas nas feiras
Soltava-os como bandeiras
Lutava p’los indefesos
Deixava todos surpresos
Com as coisas que fazia.
Sempre que ele aparecia
A liberdade trazendo
Seu ideal defendendo
A opressão estremecia.

Hoje tem nome na rua
No Alentejo é lembrado
Um pouco por todo o lado
Sua bandeira flutua
Negra, de noite com Lua
Nada pode a opressão
Contra livre coração.
Gonçalves Correia via
P’ra onde o futuro corria
Deixou-nos essa lição.


António Pereira
http://antoniogoncalvescorreia.blogspot.com.br/2014/09/decimas-antonio-goncalves-correia.html

O Pedreiro

Cyrano Reis Rezende Jr.

Quando o inegável rumor dos tempos
Despertar em si, faça-se luz!
Hei de superar dificuldades e contratempos
Serei aceito, a razão me conduz.

Conduzido enfim a porta do templo
Temerário esboçarei um arrojo
Mas obedeço, ouço, contemplo
Do homem que há em mim me despojo.

Aos pés do altar dos sacrifícios
Provo que não serei um perjuro
Bebo da taça sagrada, é o início,
Passo agora a projetar meu futuro.

Viajo com meu guia sob tempestades
Superamos dificuldades e batalhas
Chega a calmaria... tranquilidade
Morreu o homem velho e suas tralhas.

O cristo

Pelo trilho apagado, onde teu passo leve
Em vão deixou no pó do teu caminho,
Tento seguir-te o rumo e transtornado, em breve,
Volto outra vez, sem fé, para meu lar, sozinho.

Porque minh'alma, ó Cristo, é ímpia, não se atreve
A ver na hóstia o teu corpo e o teu sangue no vinho
E quando ao te evocar a minha pena escreve
Que tu és Deus, a razão se insurge e eu te amesquinho.

E esplendes, na tua cruz, como um símbolo apenas,
Pois toda essa missão de amor que te ilumina
É o sonho humano - o terno ideal das nossas pernas...

E o teu grandioso exemplo, o teu fulgor intenso,
Como o sol por detráz das gazes de neblina,
Desmaia, sobre o altar, entre as nuvens de incenso.

José Oiticica

-Sonetos (1905-1911)